terça-feira, 10 de março de 2015

Quem escreve assim, sabe bem o que escreve!

Já aqui o disse mas adoro como ela escreve, e como eu gosto tanto de viajar, dei umas valentes gargalhadas com este texto: 

ABC de Voar
"Entrar espaçadamente, de olhos postos na senhora de laço torto e saia amarrotada que tenta esboçar um sorriso que não demonstre o quão errónea foi a sua escolha profissional. Sorrimos de volta, com as sobrancelhas arqueadas de compaixão e devido ao aroma duvidoso que paira no ar. Assim começam todas as viagens de avião. Este ritual cortês que nos leva a percorrer o corredor numérico do avião como que parte de uma procissão lenta, entediante e com demasiados sovacos a roçar-nos a face ao tentar colocar os pertences nos compartimentos superiores.

Gosto de viagens pacificas, preferencialmente junto à janela onde posso deixar-me levar pelo sono que me avassala em voo, sem ter que adormecer no ombro de uma senhora nos seus quarentas que não tem contacto físico desde os quinze ou um senhor que cheira a pataniscas de bacalhau. Devia haver regras de voo que caso não aplicadas as pessoas envolvidas nunca mais poderiam pôr o pé num avião. Eu não me importo de ir à janela graças a uma bexiga com anos de treino e zen como nunca se viu uma bexiga antes. Caso eu sofresse de incontinência a minha opção seria um lugar no corredor. Claro que as pessoas nunca pensam nisso, calculando que é perfeitamente plausível pedir a cada meia hora a todos da sua fila que se levantem para que este possa ir abençoar a sanita com duas gotinhas de falso alarme, ou os mais aventureiros que gostam de trepar por cima dos apoios de braços pedindo com licença e baloiçando os genitais na nossa cara.

Deveria haver uma aplicação que descortinasse a questão de se o seu companheiro de fila quer falar consigo ou não. Caso eu esteja a chorar que nem uma madalena a probabilidade de querer ouvir a história do seu gato chamado Cherri é mínima. Já para não referir os investimentos que fazem em detectores de metais e raio x, mas ninguém investe num desodorizante obrigatório pré embarque.

Quando sentados e confortáveis nos nossos acentos, chega a altura em que todos negligenciam as boas maneiras que as nossas ricas mães nos ensinaram e ignoramos a jovem do laço torto enquanto ela repete a instrução de como abrir e fechar um cinto, equivalente ao Cirque du Soleil dos símios. Oiçam o que vos digo: prestem-lhes atenção! Não vão aprender nada de novo provavelmente, mas garanto-vos que um dia uma destas hospedeiras vai sacar de uma metralhadora e limpar o sebo a todos os que a ignoraram enquanto desempenhava o seu ganha pão e eu, moça de boas famílias, que mantém um desconfortável contacto visual para não adormecer, sorri e até fiz sinais afirmativos com os meus polegares vou ser a única a sobreviver (espero que o piloto também).

A brincar com o nosso palato vem a sandes capaz de intrigar o mais astuto com o seu conteúdo, que nos faz rever o nosso estatuto de pobre enquanto partimos a colher a tentar comer a gelatina ressequida. A menos que seja uma viagem low cost e aí é bom que saquem da marmita ou gostem de pagar por M&Ms inflacionados. Para finalizar a nossa viagem de sonho, onde ouvimos um futuro tenor de 13 meses a afinar, sentimos a cadeira da frente a impedir-nos de respirar em prol do idiota que nela se senta e nos apercebemos que a freira que está ao nosso lado nos arrancou um pedaço do braço entre um Pai Nosso e uma Ave Maria com os nervos, finalmente, aterramos. Mais uma vez todos ignoram os sinais e pedidos para permanecer quietos e com telemóveis desligados, como seres de idiotice sem par e actividade cerebral de uma limitação fora do comum, ao som das rodas a tocar o chão já estão todos em pé, de telemóvel em punho e a tentar retirar a mala na ausência de espaço que é o corredor cheio de indivíduos que esperam que o avião pare efectivamente. Vamos ser realistas…estão com pressa para quê? Para se aperceberem que não há ninguém à vossa espera no aeroporto? Voaram 4 horas, podem ficar sentados mais dois minutos ou a Lassie dá uma volta no caixão?

Lembrem-se de respeitar o trabalho de quem voa para ganhar a vida, não precisam de aplausos como constatação que fizeram o seu trabalho sem chacinar 200 pessoas, mas precisam que como seres humanos minimamente dotados de inteligência aprendam a sentar e ficar. Boas viagens, bons meninos!"